quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

17 jan 2013

Depois de duas semanas sem pisar no prédio, Margarete vinha pensando que o apartamento devia mesmo estar precisando de uma faxina. Chegou, tocou o interfone da portaria, abriram o portão eletrônico e ela entrou:
- E aí, Margarete? – perguntou José Carlos, o porteiro.
- Bom dia, Zequinha.
- Estava sumida...
- Viajei com a minha patroa.
- Pra casa de Petrópolis?
- Não. Paris, Nem.
- Olha ela... Avião e tudo?
- Não dá pra ir de outro jeito. Treme tudo, morro de medo, mas... Tive que ir.
- Gostou?
- Adorei o “Luvre”.
- Quem?
- É um museu. Pertinho da Ponte do Carrossel, entre o Rio Siena e a Rua de “Rivolí”, numa praça. Parece uma pirâmide de vidro, mas aí você desce... E aí visita a “Monalisa”, a “Vênus do Milo”.
- Sei. De onde você conhece essas moças?
- Moças não. São obras de arte. É um museu, eu já disse.
- Anrram.
- Tem ainda artefatos do Egito antigo, da civilização greco-romana e obras-primas de renomados artistas, como Ticiano, “Rembrã”, “Miquelângelo” e “Góia”. Ficamos lá duas semanas e eu fui ao “Luvre” oito vezes.
- Cê é arretada demais. Paris, né?
- Isso.
- Conheço a Praça Paris, ali na Glória.
- Bobo.
- Trouxe presente não?
- Cê que tá doido, Zé. E eu lá tenho dinheiro pra isso?

16 jan 2013

15 jan 2013

14 jan 2013

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

10 jan 2013


- É verde ou azul? Nossa... Seus olhos são lindos. Sabia?

Aí eu mostro um sorriso de canto de boca, aceno positivamente com a cabeça e agradeço gentilmente com “obrigado”, “que isso...” ou, o mais irônico, “que nada, são seus olhos”.

Mas, a verdade é que eu sabia. E se todas as pessoas do mundo repetissem algo pra você desde que você se deu por gente, você também já teria aprendido. Essa coisa de pele muito branca e olhos claros não combina muito com país tropical... Aí o povo fala mesmo.

Apesar de eu saber que acham lindo, a essa altura eu já nem sei mais se concordo. Meus olhos não são daquele azul cor do mar e também não são verde esmeralda. Meus olhos só são claros. Tem hora até que fica meio acinzentado. E como eu os vejo várias vezes por dia e há muitos anos, pra mim, perderam um pouco da graça. Há olhos claros muito mais bonitos por aí.

E outra coisa: nada como ter olhos claros, pra perceber o quanto os olhos escuros podem ser bonitos! Vejo lindos escuros todos os dias. E não saio falando pra cada um dos seus donos o quanto gostei dos olhos deles. Tenho medo do que iriam pensar. E quando percebo isso, realizo que ninguém se importa com o que eu penso quando elogiam os meus olhos.

A verdade é que eu sempre achei que deveria haver uma variação da máxima da música “Óculos”, dos Paralamas, para as pessoas de olhos claros. Deveria existir algo na linha do “por trás desses olhos, bate um coração”. Tanto bate o coração quanto há uma pessoa, carne e osso, com todos os seus anseios, inseguranças, qualidades, defeitos, fraquezas, vontades, frustrações, amores, dissabores, bondades, maldades e (complete aqui demais dicotomias que você carregue... eu as carrego exatamente da mesma forma). Apesar disso, eu às vezes acho que a maioria das pessoas parte do pressuposto que você é um sujeito legal e é do bem, quando você tem olhos claros. Nem sempre é assim. 

[Pausa dramática]

E é bom ficar esperto.

[Pausa dramática]

Eu sou legal. Você não precisa se preocupar comigo...

Mas, recomendo que você mantenha os olhos abertos.
Seja qual for a cor dos seus. ;)

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

9 jan 2013

- Cartão Zona Sul?
- Tenho.
Digito o CPF. “Bom dia, Flávio”, aparece na tela da caixa registradora do supermercado.
- Flávio... Boa tarde.
- Boa tarde.
Empurro as compras em direção à moça, que começa passar tudo pelo scanner.
- Requeijão.
BIP.
- Pão de forma.
BIP.
- Leite.
BIP.
- Queijo minas.
BIP.
Ela tem essa coisa de dizer o nome de cada produto...
- Maçãs.
BIP.
- Vinte e quatro reais e doze centavos. Crédito ou débito?
- Crédito.
- Insira seu cartão. Isso. Pode digitar a senha...
- Vem cá, você repete em voz alta as compras de todo mundo ou é pessoal?
- Desculpe, senhor. É que eu memorizo.
- Como assim?
- Eu memorizo as compras. Doideira, eu sei. Mas, vou me lembrar que em 9 de janeiro o Flávio comprou requeijão, pão de forma, leite, queijo minas e maçãs. Minha memória é sinistra.
- Ah, fala sério...
- É sério.
- Beleza. É sim. Valeu.
Vou saindo do supermercado, a moça me chama.
- Flávio?
- Oi.
- Vai levar papel higiênico não?
- Como assim?
- Acabo de me lembrar aqui que desde outubro o senhor não compra papel higiênico... Desde outubro, senhor.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

8 jan 2013

Eu tinha uma espécie de implicância com biografias.
No fundo, eu alimentava a pretensão de acreditar que a minha própria vida era interessante o suficiente para acabar em livro. A minha e a de todo mundo! Bastava alguém estar disposto a sentar e escrever sobre.
E pensava também que em nada acrescentaria saber detalhes da vida de outras pessoas. Afinal, o que tenho eu a ver com o cotidiano de Steve Jobs, Andre Agassi, Nelson Mandela, Ozzy, Tom Jobim...? Pra mim, biografia era uma espécie de fofoca com centenas de páginas, só que autorizadas pela vítima. E era também um desodorante da Natura.
Foi quando dei o braço a torcer. Pessoas que eu admiro começaram a recomendar biografias. E folheando os livros, percebi a importância de conhecer as paixões, as fraquezas, as conquistas, as ideias, as derrotas e as realizações dessas personalidades, que contribuíram – cada uma ao seu jeito – para mudanças na sociedade.
Na fase atual, praticamente só leio biografias. Até porque tenho me decepcionado com alguns romances e ficções. A ponto de às vezes achar que já não há mais tantas histórias incríveis a serem contadas.
E essa agora é a minha mais nova espécie de implicância...

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

7 jan 2013


Cade você?

Pare de me atormentar.
Você fica na minha cabeça e eu já não sei o que fazer. De uma vez por todas, SAIA DAQUI.
Vá embora, que você está tirando toda a minha atenção.

E não me interessa sequer pra onde vai...

Se bem que, na falta de lápis e papel, recomendo que seja pra tela do computador mesmo. É porto seguro. Que se for de boca, vão te mudar por inteira, aumentando os pontos e a distorcendo de forma que, qualquer hora dessas, você já não será você. Talvez melhor, engraçada, emocionante, edificante. Talvez não. Talvez seja esquecida e morra.

Então, toma o meu conselho: vá saindo aos poucos enquanto eu digito, a cada tecla. E expulsando pra direita essa barrinha preta, que teima em ficar piscando como quem debocha “você tem imaginação ou sentou aí à toa?”.

Pode ir.
Use minha inspiração como meio de transporte.
Vai história! XÔ!

Aproveite a liberdade que lhe concedo pra me libertar de você.
Você está livre.
E eu também.

domingo, 6 de janeiro de 2013

6 jan 2013

Parecia um palácio, mas a casa era pequena. Ficava numa rua de paralelepípedos que passava pelo topo de um morro, perto da praça de Santanésia. Porque Piraí é uma cidade pequena, no interior do Rio de Janeiro, mas Santanésia consegue a proeza de ser distrito de Piraí. Ou seja, cidade de primeira... Engatou a segunda, acabou a “cidade”.
Voltando: a casa em que eu morava era pequena. Apesar de eu só ter me dado conta disso 20 anos depois de ter saído de lá, onde passei boa parte da minha infância. A memória é uma coisa engraçada. Eu me lembro bem da entrada da casa, com direito a um pequeno jardim e varanda, da sala, do quarto dos meus pais, do meu quarto, que viria a dividir com minha irmã, da cozinha e de cada detalhe do quintal. Mas não me lembro do banheiro. Claro que a casa tinha um banheiro. Eu é que, pelo visto, durante aqueles 7 anos, tive coisas mais importantes para registrar na memória do que meus banhos e demais necessidades fisiológicas.
E é desse ambiente que vêm as minhas mais antigas memórias: meu ‘bom dia’ ao som da Xuxa, os incontáveis almoços no sofá, a lição de casa com ajuda do meu pai na mesa redonda da sala de jantar, minha irmã no colo dos meus pais, o pica-pau de estimação, a piscina de lona, a companhia da minha mãe... É de Santanésia também que trago a noção de amizade, mesmo não sabendo por onde anda hoje a maioria daqueles meninos, e foi lá que vivi a minha primeira paixão. Eu andava de bicicleta com ela e a gente brincava na rua, na piscina...
Eu vou fazer 30 anos. Confesso um certo pavor.

sábado, 5 de janeiro de 2013

5 jan 2013


Qual é o tom?
Monocórdico
Barulho afônico
Silêncio ensurdecedor

Toca o trilho
Trocadilho
Torça, filho

Noites assim
Dias assados
Contas à vista
Prazer à prazo

Água parada
Vento à beça
Guerra fria

Paz...

Paz. Paz.
Paz. Paz. Paz.
Paz. Paz. Paz. Paz.
(...)

Pronto.
Achei.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

4 jan 2013

- Alô.
- Te liguei mais cedo, você não me atendeu. Por quê?
- Eu odeio quando você me liga a cobrar.
- Mas, eu não liguei a cobrar.
- Você está me cobrando...
- ...
- De qualquer forma, não atendi porque estava pra vibrar. E eu não vi.
- Não sei pra que é que você tem celular, se não me atende.
- Pelo mesmo motivo que você paga a academia?
- ...
- Desculpa, estou abusando hoje.
- Você abusa, não é de hoje.
- Hehehehe.
- Está rindo de quê?
- Nada. Só te amo.
- Eu também.
- (Silêncio) Então, me atende na próxima vez em que eu ligar?
- Vamos ver...
- Como assim?
- É que está pra vibrar.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

3 jan 2013

Tem vitamina de banana, bolo de cenoura com cobertura de chocolate, leite fresco, torrada quentinha, cereais e frutas com mel.
O café-da-manhã começa o dia.
Tem salada, filé ao ponto, arroz, feijão, purê, batatas fritas e suco de laranja gelado.
O almoço já está na mesa.
Tem chocolate quente ou cappuccino gelado, com biscoitos recheados e, de novo, torradas.
É o chá da tarde.

Tem ainda lasanha resfriada e suco de abacaxi.
O jantar está servido.

Está tudo aí.
Que venha a fome!

quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

2 jan 2013

- Bom dia, César.
- Bom dia, doutor. Nada mudou.
- Como assim?
- Já são mais de três anos, consultas semanais e eu sinto que isso não está evoluindo... Não vai dar em nada.
- César, a terapia é um processo em constante evolução, que sempre dá em alguma coisa. Meu acompanhamento é importante pra você.
- Ah, é?
- Claro que é!
- E por quê, doutor?
- Porque eu posso ajudá-lo com meu ponto de vista. São anos de estudo de teorias consagradas na prática. Meu papel é prestar atenção em tudo que você me conta.
- E pra quê?
- Pra conhecê-lo.
- Você acha que me conhece...
- Talvez eu já o conheça melhor do que você conhece a si mesmo, Celso.
- Celso? Sou César.
- Isso, César. Desculpe.
- Três anos e você não acerta nem o meu nome.
- Já pedi desculpas. De qualquer forma, esteja certo de uma coisa, meu jovem: a psicanálise salva vidas.
- Minha vida não está em risco.
- Como não? Lembra-se daquela vez que você fez mergulho com cilindro e me contou sobre aquela percepção de fragilidade da vida? Que você estava acompanhando a rapidez com que o ar do cilindro se esgotava e pensou em permanecer submerso até o último segundo?
- Eu nunca mergulhei com cilindro, doutor.
- Verdade?
- Verdade.
- Deve ter sido o Celso, então. Engraçado.
- Quem é Celso, doutor?
- Ele se parece com você, me confundi. Só que ele mergulha.
- Vocês, psicólogos... Tenho amigos que reclamam que seus terapeutas não falam nada. Que pagam por hora e, como os sujeitos ficam lá calados, eles nunca sabem se o especialista está prestando atenção.
- Sei. É uma outra corrente. Meu papel é mais ativo, minha metodologia parte dessa troca com o paciente.
- É... Pelo menos, eu sei.
- Isso. Você sabe.
- Sei que você está me escutando há três anos e pouco. Eles ficam na dúvida. Eu não. Eu SEI que você me escuta, mas nunca me ouviu.
- Seu tempo acabou.
- Semana que vem?
- Isso. Terça, às nove.
- Muito obrigado, doutor.
- De nada, Celso.

terça-feira, 1 de janeiro de 2013

1 jan 2013

Por conta do temporal, Sheila saiu apressada do táxi. Tentava se proteger com a bolsa sobre a cabeça, para que ao menos seus cabelos permanecessem secos. Acabou molhada da mesma forma, pois precisou procurar a chave de casa.
O chuveiro quente devolvia toda a suavidade que havia sido afogada pela chuva. E ela se pegava pensando há quanto tempo não tinha um jantar tão agradável. Henrique estava num humor tão bom, que dava pra se esquecer o quanto eles vinham brigando. Henrique abria um sorriso tão largo e sincero, que ficava até bonito. Henrique não era bonito... Mas era dela. E como a noite havia sido ótima, Sheila não queria pensar nisso. Pensava é que deveriam morar juntos. Porque noites assim não mereciam acabar em despedida.
De frente pro espelho, toalha enrolada, secava os cabelos quando viu o celular vibrar e piscar. Trocou a escova pelo telefone, sem desligar o secador na outra mão. “Te amo!”, dizia a mensagem de Henrique. Afastou o secador e digitou “EU TE AMO!”, por mais que pudesse parecer repetitivo. Retomou a escova, olhando para o espelho, com o secador ligado e o sorriso também.
Pegou-se pensando que após uma noite comum, responderia apenas “eu também”.  Só que aquela tinha sido uma noite para letras maiúsculas e declarações completas, de coração.
Sheila não sabia um monte de coisas, mas tinha uma profunda certeza sobre as diferenças que há entre um “eu te amo” e um “eu também”.